sábado, 29 de abril de 2017




     Lírio do meu jardim,

     O meu coração ainda bate apressado de cada vez que vossa imagem surge em meus pensamentos, assim, do nada, inesperadamente, desejadamente.
     São inúmeras as vezes que dou por mim a voar por entre as memórias de vosso corpo, de vosso toque, de vossa presença.
     Ainda na noite passada, ao escutar Rigoletto, algumas das árias me transportaram de imediato para momentos em que palavras como aquelas que Gilda canta ao Duque de Mântua me foram ditas ao ouvido, acompanhadas de profundos abraços, daqueles mais fortes do que o fim do mundo. Mas tão efémeros quanto tudo aquilo que existe...
     Também vos costumo encontrar em livros que leio, talvez por vos procurar lá, ainda que inconscientemente. Mas é um conforto difícil de explicar. Ter-vos em alguma página, em algum parágrafo e, enquanto vos leio, saber-vos ainda presente, ao meu redor. Doce ilusão da qual insisto em não abdicar. A história da personagem Constança, de Maria Teresa Horta, é disso exemplo vero: Quando o viu nu, pareceu-lhe um arcanjo negro, no seu mutismo, na sua beleza morena e triste, na sua voracidade, reforçando em seguida, Recordava-se do medo de o perder, do medo de ser abandonada por ele, do medo de ter de se habituar a ficar a viver sem ele.


     Meu arcanjo negro, quanta saudade.
     Barão K.

quinta-feira, 27 de abril de 2017




      Meu canto de rouxinol em noite de luar,

     Como tereis passado este dia? E com quem? Talvez não o queira realmente saber...
    Quereria, isso sim, contar-vos que faz hoje quatro anos que assisti ao concerto da Marisa Monte no Coliseu de Lisboa. Uma noite belíssima em que todas as canções foram versos soltos de uma única e forte oração: o amor à música. Lembro-me de um momento muito particular: aquando da canção Gentileza, a sala inteira foi bombardeada com luzes e projecções de cores e formas variadas tornando o momento numa verdadeira celebração. Não posso esquecer.
     Nesse tempo ainda não vos conhecia, mas, de certa forma, já vos esperava... Já me preparava para a vossa chegada, para o vendaval que se abateu na minha vida que fostes vós.

     Tenho andado nestes últimos dias a passear os meus olhos sobre algumas imagens de quadros de Balthus, alguns detalhes. De há um tempo para cá o trabalho deste artista tem vindo a despertar o meu interesse e ainda não cheguei a uma conclusão sobre o assunto. Mas o traço dos seus desenhos atrai-me, as suas personagens por vezes transportam-me para um universo similar ao de Paula Rêgo. E em tudo isso encontro rasgos de encanto e bestialidade.
     Hoje dediquei algum tempo a La Montagne. É fabulosa a postura quase violenta das personagens intervenientes, os possíveis diálogos que se podem imaginar, os silêncios e o abandono. E a paisagem, aquelas montanhas que se estendem para lá do horizonte. Ocorrem-me as palavras que Sérgio Sant'Anna escreveu sobre esse quadro: Assim é Balthus, anjo cerimonioso que oferece por nós o sacrifício e, uma vez tendo-o consumado, abandona a cena, como em La Montagne, onde o pintor é visto como um ponto longínquo, de costas, imerso em sua solidão, deixando moças e rapazes entregues a seus ritos para ir fertilizar alguma outra cena, em algum outro lugar.
   Sinto-me esse pintor quando penso no que vivemos e como me retirei dos vossos dias. Era necessário... Talvez hoje possais compreender isso. Talvez já nem pensais no assunto. Página virada!, direis vós num suspiro, quiçá.

La Montagne, Balthus



    Ainda vosso,
    Barão K.

quarta-feira, 26 de abril de 2017




     Meu lírio, meu jardim a florir,

      Tudo isso sois, cada dia mais! E tenho prova disso: como o vosso belo nome é evocado em tantas das minhas conversas com camaradas e gente amiga. É inevitável, pois fazeis parte de mim e da minha história que não posso olvidar. Nem quero!
       Esta tarde fui ao centro da cidade encontrar-me com uma amiga de longa data e, a meio do nosso chá, dei por mim relembrar momentos que passei na vossa companhia, partilhando tais histórias com ela. Tudo naturalmente, porque as conversas são como as cerejas...
     Falar de vós faz-me sentir-vos mais próximo de mim. Ainda que haja tanto mar, tanto céu, tantos muros a apartar-nos...
     Nessa saborosa conversa que tive com a minha amiga houve ainda tempo para falarmos dos filmes que temos visto, das músicas que temos escutado, das agruras e doçuras dos dias... E de livros. Fiquei particularmente feliz por ter-lhe dado a conhecer uma escritora cujo trabalho muito aprecio: Ana Teresa Pereira. Ela ficou de tal maneira impressionada com a maneira como falei dos livros e das personagens (e como um dos seus livros foi responsável pela minha primeira viagem de avião no passado mês de Fevereiro – algo que vos contarei numa próxima carta, com detalhe) que entrámos numa livraria e ofereci-lhe Karen, o único livro da autora disponível naquele lugar.
        Sinto que foi um excelente presente, não achais?
     Engraçado, nunca me haveis perguntado sobre os livros que mais gosto... Teria tanto para vos contar, meu amor.

     Saudade do vosso puro olhar,
    Barão K.

terça-feira, 25 de abril de 2017






     Meu amor, minha estrela da tarde...

     Pergunto-me por onde andais e o que fazeis? Quão distante, quão incerto esse lugar e esse tempo que vos mantêm tão longe de mim.
     Hoje foi aquele dia que, sabeis, tanto prezo: o 25 de Abril. Gostaria de vos fazer saber que trouxe comigo um cravo ao peito, vermelho, do lado do coração, lado esse em que vós ainda habitais.
     Vi recentemente um filme (felicidade a minha se o pudesse ter visto em vossa companhia) que me trouxe à memória os primeiros momentos que vivemos juntos: Badlands, realizado por Terrence Malick. A ideia de um amor impossível e concretizável a um só tempo, em que os beijos e os olhares alimentam e fortificam o sonho e a vontade de o levar mais além – a sensação de uma primavera louca e permanente em cada segundo. Mas, também, a certeza do caminho ser bifurcado...
     Há até um momento, uma cena fugaz em que Martin Sheen e Sissy Spacek dançam na noite do deserto, iluminados pelos faróis do carro que deixaram ligado, aquela doce-áspera canção de Nat King Cole, A Blossom Fell... O prenúncio da separação: The dream has ended / For true love died...
     Estas últimas palavras não se adequam a nós, asseguro-vos; o que sinto a vosso respeito em nada mudou com o tempo, apenas ganhou força e forma, robustez, intocabilidade. E assim permanece.



     Permaneço,
     Barão K.


segunda-feira, 24 de abril de 2017




      Podeis considerar-me um tanto desenquadrado do tempo em que estamos, desta época onde tudo é rápido e acessível e imediato e efémero. Sim, podeis. E tendes toda a razão. Conheço-me e não me integro nesta desvirtuosa realidade. Mas também não pretendo esgotar-me, remando contra a maré. Pelo contrário, retiro-me desse mar... Opto pela aridez da terra seca e quente, pelo caminho das pedras. E faço, assim, o meu caminho. Aconteço pelo caminho. Faço-me caminho e a caminho. E, não querendo entrar neste jogo previsível de musical repetição, atrevo-me nas palavras do poeta:

Sim, sou eu, eu mesmo, tal qual resultei de tudo,...
Quanto fui, quanto não fui, tudo isso sou.
Quanto quis, quanto não quis, tudo isso me forma.
Quanto amei ou deixei de amar é a mesma saudade em mim.


     Saudade... Essa palavra que me desarma e me leva a escrever todas estas cartas (ridículas cartas de amor). Todo este latim é por vós e para vós. Vós, minha predilecta ária de Puccini, que, certamente, jamais, em tempo algum, ireis ter conhecimento destas solitárias redacções.
     Ainda que a resposta seja “destinatário em parte incerta”, cada uma destas palavras é remetida através do vento, endereçada a vós.


     Sempre vosso,
     Barão K.